Mais de um século de luta
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“Vidas negras importam” ou “Black lives matter”, seja em português ou em inglês, essa frase tomou conta do noticiário mundial e das redes sociais desde as mortes do menino João Pedro em São Gonçalo e do norte-americano George Floyd. Ambos perderam suas vidas de maneira precoce devido a má conduta da polícia, e com isso se tornaram símbolos para reacender grandes manifestações que reivindicam a igualdade racial que está cada dia mais explícita aos olhos da população.
As manifestações no Brasil, durante a pandemia do coronavírus, geraram discussões ainda maiores. A diferença de tratamento que manifestantes negros tiveram pela polícia foi enorme. Enquanto na frente do palácio Guanabara no Rio de Janeiro um manifestante preto teve uma arma apontada para a cabeça, em São Paulo uma apoiadora branca do presidente Jair Bolsonaro entrou na manifestação com um taco de beisebol, e foi apenas escoltada para fora da Avenida Paulista pela polícia.
A jornalista Jéssica Batan afirma que não é apenas a violência sofrida pelos negros que vem ganhando destaque durante o lockdown. “Não só sobre violência policial, mas também sobre a falta ao acesso de políticas públicas básicas. Tudo isso sempre foi negado as populações periféricas, nunca foi diferente do que está sendo visto”. Ela ainda levanta a questão sobre a negligência do Estado que atinge a favela em diferentes níveis. “Agora a morte vem ou de bala ou de vírus”.
Ainda segundo Jéssica, o antirracismo é uma prática diária, e não é apenas sobre levantar bandeiras online, mas sim tomada de ação e isso inclui as pessoas brancas, no entendimento que fazem parte da estrutura da sociedade e se beneficiam dela. “Pessoas brancas podem e devem fazer é se conscientizar de seu privilégio, estudar as causas e as consequências do que um sistema racista proporciona e disseminar essa informação entre os seus. Ela aconselha que as pessoas usem suas redes de relacionamento, como círculo de amigos, família e no trabalho, para enfatizar o racismo estrutural.
O historiador João Bigon, reforça a ideia de que há uma necessidade em expor que os protestos que estão ocorrendo neste momento, são uma denúncia de problemas que acontecem há anos. “Além de só serem movimentos de agora, eles precisam ser movimentos para mostrar que o agora é uma repetição, que não deveria estar acontecendo, estamos no século XXI. São atitudes, modos de operação da polícia e do Estado e da própria sociedade que tem mais de 100 anos”.
Ele ainda fala sobre como as pessoas de fora do movimento podem ajudar na causa. Segundo João, elas podem divulgar conteúdo e trabalho de pessoas negras e financiar, sobretudo se forem pessoas brancas, ONGs, coletivos e movimento sociais. “Ajudando da forma que for possível, direta ou indiretamente”.
Com os debates raciais tomando conta do cenário mundial, o historiador explica como um fato histórico pode surgir sendo uma consequência de um outro ocorrido histórico próximo, no caso a pandemia. “A gente fica pensando em como vai ser o pós-pandemia, eu acho que o momento em que os debates raciais tomaram o centro das discussões mundiais paralelo ao coronavírus é importante porque eles não estão desalinhados. A gente tem que entender que algumas coisas são circulares na história, e que outras são sintomas de um processo histórico”.
O fluxo de informações acerca deste tema tem sido intenso nas últimas semanas, o que tem afetado a saúde mental de algumas pessoas, sobretudo de pessoas pretas. A modelo e influenciadora Lu Vilaça afirma que essa situação é desgastante. “A gente sente na pele tudo que está acontecendo, por mais que não conheçamos a pessoa, sentimos como se fosse uma pessoa próxima”.
É válido acrescentar que a população negra sem escolaridade, morreu quatro vezes mais devido ao coronavírus, do que brancos com ensino superior completo, de acordo com uma pesquisa publicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro no dia 27 de maio. O jornalista Bruno Sousa, ativista em causas sociais adiciona que algo além deve ser feito pelo governo. “Por mais bonito e gratificante que seja esse movimento dos moradores na favela, preciso reiterar que isso não é responsabilidade dos ativistas e do movimento negro e sim do Estado. Essas pessoas nem deveriam estar nessas condições de miséria e que só agravam a propagação do COVID-19”.
Com o objetivo de auxiliar nos debates acerca da questão racial, que estão em alta nos últimos dias, a estudante de biblioteconomia Jade Pinheiro, compartilha com o Portal um pouquinho da sua experiência como mulher negra ativista na causa.
Reportagem: Alberto Ghazale, Bruna Barros, Carolina Mie, Eloah Almeida, Felipe Rinaldi, João Medina, Pedro Cardoso
Edição: Felipe Rinaldi
Supervisão: Mariana Colpas e Patrick Garrido