Como o Planejamento Urbano afeta a Sensação Térmica

Nos últimos meses, a cidade do Rio de Janeiro quebrou repetidamente recordes de temperaturas. No último domingo (17), a cidade atingiu a sensação térmica de 62,3ºC. Calculada utilizando a temperatura e umidade relativa do ar, a sensação térmica costuma ser maior em áreas mais próximas do oceano, com altos níveis de umidade. As temperaturas afetam a rotina dos moradores da capital, que precisam se reinventar, variando entre regiões. Áreas mais arborizadas e planejadas tendem a ser mais frescas, mas são também as mais elitizadas, um sinal da desigualdade social e estrutural entre os bairros de diferentes classes no Rio de Janeiro.

Ao atingir recorde de sensação térmica, as altas temperaturas denunciam as disparidades das zonas da cidade, sendo a zona sul a mais verde, com uma urbanização melhor planejada. Por outro lado, a zona norte, uma das mais afetadas pelo calor, não dispõe da mesma infraestrutura e não recebe o mesmo cuidado e atenção, o que leva a um aumento da sensação térmica. 

Para o estudante de arquitetura e urbanismo Rodrigo Teixeira Fernandes, de 21 anos, a cidade é marcada por inúmeras desigualdades, que são também notadas durante ondas de calor: “Os bairros com maior densidade urbana sofrem mais com temperaturas elevadas devido à formação das ilhas de calor”, afirma. “Os bairros litorâneos possuem uma condição melhor por conta da circulação do ar e das brisas marítimas”. Segundo Rodrigo, a falta de infraestrutura sustentável, muitas vezes  inacessível, ajuda a aumentar o calor. Alguns exemplos são a implementação de telhados verdes, praças arborizadas, aproveitamento da ventilação natural e materiais para reduzir os danos.

Nas ruas, a população sofre com o mormaço, a umidade e o ar quente que infestam a cidade de norte a sul. No bairro da Glória, o vendedor ambulante Brasilio Carão de Oliveira, de 64 anos, morador de Cordovil, afirma: “Olha, fez muito calor, principalmente em janeiro e fevereiro. De duas semanas pra cá tem continuado”. O senhor conta que ao sair de Cordovil e chegar na Glória, sente um pouco mais de frescor, apesar de ser frequentemente incomodado pelo mormaço. 

O francês Donald Pierre, de 33 anos, relata que o calor tem dificultado muito o trabalho como garçom. Apesar de trabalhar no ar condicionado, ele afirma precisar trocar de roupa por suar muito durante o trabalho e ter notado o aumento do calor nos últimos dias, além de não compreender o corte de árvores: “As árvores são importantes para manter a sombra, sabe? Para preservar o frio”. Para lidar com as altas temperaturas, Donald diz ir muito à praia, tomar uma quantidade maior de banhos por dia e deixar o ar-condicionado ligado o dia todo. 

O planejamento urbano é uma das principais ferramentas para o controle de temperaturas nas cidades e tem grande impacto na população. Segundo o professor da UFRJ, Rafael Diniz, um dos maiores erros no urbanismo é o uso sem cuidados e desenfreado do solo. “O asfalto das estradas absorve e retém a temperatura, criando ilhas de calor ao redor das vias e ampliando o efeito do calor urbano”, explica Rafael. Tais ilhas de calor são comuns em grandes centros, que contam com poucos espaços arborizados e muitas áreas pavimentadas. 

Outros fatores, como o trânsito e um grande número de prédios, também afetam o clima das cidades: “O trânsito caótico também contribui para o aquecimento da cidade. Congestionamentos prolongados geram calor adicional devido aos motores dos veículos em funcionamento constante. Enfim, a falta de planejamento urbano adequado pode resultar em ruas estreitas e edifícios altos que bloqueiam a circulação do ar, reduzindo a ventilação e aumentando a sensação de calor nas áreas urbanas”. O professor conclui que uma série de agentes contribuem para o calor extremo e resultam em ondas de calor como a experienciada nos últimos dias. 

Em 2019, a cidade de Medellín, Colômbia, adotou medidas de resfriamento para frear os impactos das ilhas de calor que foram chamadas de Projeto Green Corridors. De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza, as ações naturais adotadas pela metrópole são “ações que protegem, gerenciam de forma sustentável e restauram ecossistemas naturais ou modificados, abordando desafios sociais de forma eficaz e adaptativa, proporcionando simultaneamente bem-estar humano e benefícios à biodiversidade”. A cidade transformou 18 ruas e 12 hidrovias em paraísos verdes, iniciativa que rendeu o Prêmio Ashden de Resfriamento Baseado na Natureza às autoridades colombianas. A ação, apesar de temporária em meio a um mundo cada vez mais quente, é um meio de aliviar o calor das ilhas.

Em prol de um melhor bem-estar da população, é necessário o melhor desenvolvimento e maior organização das cidades, o que garante um processo de urbanização mais harmônico, no qual parques e prédios ocupem o espaço de maneira igualitária e, assim, exista uma menor necessidade de asfalto. Também é de grande importância que o sistema de transporte público seja eficiente, com menos tráfego de carros e redução da emissão de gases na atmosfera.

Reportagem: Davi Magalhães, Davi Medina e Julia Novaes

Supervisão: Carolina Dorfman e Eduardo Gama