Caso de Marielle e Anderon vai a julgamento após 6 anos de crime
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Começa, nesta quarta-feira (30), o julgamento do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. O crime, ocorrido no dia 14 de março de 2018, levou à prisão dos ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, que participam através de videoconferência. Eles enfrentam um júri popular composto por sete homens, e o julgamento será presidido pela juíza Lucia Glioche. A expectativa é de que dure aproximadamente dez dias, e contará com depoimentos de testemunhas, defesa e acusação, além da análise final do júri.
Dentre os depoentes, estão:
- Fernanda Chaves, ex-assessora da vereadora e única sobrevivente do crime;
- Monica Benicio e Marinete da Silva, viúva e mãe de Marielle, respectivamente;
- Ágatha Reis, viúva de Anderson e mãe de seu único filho;
- Carolina Rodrigues Linhares, perita criminal;
- Guilherme de Paula Machado Catramby, delegado Federal; Marcelo Pasqualetti, agente federal;
- Carlos Alberto Paúra Júnior – investigador da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que participou ativamente das investigações, e foi responsável por identificar o veículo em que estava Marielle, Anderson e Fernanda;
- Luismar Cortelettili, da Polícia Civil do Rio.
O assassinato ocorreu por volta das 21 horas, após o evento “Mulheres Negras Movendo Estruturas”, na Lapa, no qual a vereadora participava. Foram disparados 13 tiros contra o carro, efetuados por Ronnie Lessa. 4 atingiram Marielle e outros 3, Anderson. Fernanda Chaves, ex-assessora de Marielle, sobreviveu, mas ficou ferida. Em março de 2019, Élcio e Ronnie foram presos como suspeitos da execução. Hoje, podem ser condenados à pena máxima, o que somaria 84 anos de prisão pelos seus crimes.
O publicitário Laelson Batista conta que as manifestações em frente ao tribunal ocorrem como uma forma de exigir justiça – especialmente para corpos negros. Ele ressalta que assuntos como esse são importantes e devem ser discutidos, pois trazem um “alerta em todos os âmbitos da nossa sociedade, tanto para as pessoas que detêm esse poder de informação na mão, no celular, quanto pessoas que moram mais longe e têm menos poder aquisitivo ou menos conhecimento para deter essa informação.”

Laelson Batista esteve na organização de estande publicitário por justiça à Marielle Franco e Anderson Gomes (Foto: Taís Vianna)
A jornalista Juliana Dal Piva, que esteve na cobertura do julgamento, explica que há um grande desafio em deixar viva a mensagem de justiça por Marielle e Anderson, sobretudo quando o júri acontece mais de seis anos depois do crime. Para ela, no Brasil existe uma cultura de esquecimento de atos criminosos advinda do período ditatorial, que impede que o país marque crimes e se utilizem dessa memória para educar ao invés de repetir:
“Em parte, eu entendo essa sensação de apatia, como se as pessoas tivessem um certo desconhecimento. O tempo vai passando e o tempo do Poder Judiciário é diferente do nosso tempo, da nossa vida.”

Juliana Dal Piva, jornalista do ICL notícias, comentou sobre a cobertura midiática do caso Marielle (Foto: Taís Vianna)
Ela ainda ressalta que o papel da imprensa em casos como este é de construção de memória, tendo o trabalho de alguns repórteres como essencial para o apoio às investigações policiais. Apesar disso, ela explica que também houveram muitos erros na pesquisa jornalística do caso. O maior deles teria sido o excesso de informações nocivas e uma certa “corrida” para descobrir quem matou Marielle e Anderson, além da propagação de diversas fake news que feriam a moral das vítimas, na tentativa de deturpar o caso.
A jornalista também diz que a visível “apatia” e esquecimento por parte do público tem relação com o fato de que os réus não estavam presentes (o julgamento foi feito por videoconferência). A falta de presença dos assassinos teria amornado o clamor público.
Para os familiares a percepção da história é diferente. Julia Reis, cunhada de Anderson Gomes e irmã de Ágatha Reis, conta em entrevista exclusiva ao portal que a família revive o momento de dor diariamente desde o acontecimento do crime. Julia conta que a ex-assessora de Marielle, Fernanda Chaves, não deixou que os réus assistissem ao seu depoimento. Fernanda foi a única sobrevivente do atentado.

Julia Reis, cunhada de Anderson Gomes, falou sobre a atmosfera dentro do tribunal (Foto: Taís Vianna)
O pesquisador da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), Huri Paz, levantou dados que mostram que o Rio de Janeiro se consolidou como o estado brasileiro onde mais se matam políticos. A pesquisa totalizou um número de 94 mortes entre o período de 1988 até 2022.
Desde a redemocratização, o estado contou com assassinatos políticos ao longo de todo o recorte da pesquisa. No entanto, houve uma concentração da violência entre o período de 2012 e 2022. Nesse período, foram contabilizadas 45 óbitos, uma média de 4 por ano, incluindo a de Marielle Franco.
Dentre os recortes de gênero, os assassinatos ocorreram majoritariamente com homens, somando um número de 88 vítimas – algo que não ilustrou uma menor violência pautada em misoginia, mas sim uma desigualdade entre presenças de figuras masculinas e femininas no campo político carioca. Por outro lado, destaca-se que das 6 políticas assassinadas no recorte temporal, 4 eram mulheres negras.
O julgamento se iniciou hoje, e por ora, não tem previsão de término. Ele pode ser acompanhado ao vivo pelo canal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro do Youtube, ou pelo portal do G1.
Capa: Taís Vianna
Reportagem: Davi Magalhães e Julia Novaes
Supervisão: Carolina Dorfman e Vinicius Nunes