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Brasil alcança graves dados de violência relacionados a comunicadores que defendem direitos humanos

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  • Reportagem de Eliza Ranieri e Victoria Mancino

O direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal é garantido a todo indivíduo pelo artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entretanto, a prática não funciona como o previsto no documento. Defender esses direitos, em muitos casos, pode custar caro. Pessoas que defendem e lutam por essa causa recebem constantes ameaças e são alvos de discursos de ódio. De acordo com o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, foram 58 ativistas assassinados entre janeiro e agosto de 2017. Com os jornalistas e comunicadores não é diferente: desde 2012, ao menos 22 profissionais que defendem a causa foram mortos, segundo a organização Artigo 19.

Comunicadores em geral sofrem ameaças ligadas à sua profissão. No Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, publicado neste ano pelo Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil aparece na 102ª posição. Os dados mostram o perigo de divulgar informações no país, principalmente quando se defende o direito à dignidade da vida. Não é difícil encontrar discursos de ódio direcionados à imprensa quando se trata de direitos humanos. Em uma reportagem sobre a preocupação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos com a militarização da segurança no Rio de Janeiro, publicada no dia 13 de novembro pelo G1, a rejeição de algumas pessoas à declaração fica evidente. “Sou a favor de uma enxada e um lote pra carpir na mão de cada profissional de direito dos mano”; “Essa gentalha de bosta em nenhum momento manifestou preocupação com os latrocínios cometidos aos milhares todos os anos. Essa gentalha se preocupa em defender os latrocidas”; “Vão pra Venezuela, seus vermes parasitas. O Brasil precisa de quem defenda os cidadãos de bem e não defensores de bandidos e corruptos”: são algumas das manifestações de ódio presentes nos comentários da matéria.

Tendo em vista a atual condição dos jornalistas, veículos contra-hegemônicos, sem a força de veículos tradicionais, vêm atuando com o objetivo de defender os direitos humanos. Um exemplo é o Observatório do Direito à Comunicação, em funcionamento desde 2007 como iniciativa do coletivo Intervozes. Canais de notícias como Repórter Brasil é outro exemplo da luta na área da comunicação pelo direito à informação e aos direitos humanos. O site procura dar visibilidade a questões relacionadas aos direitos humanos por meio de três vias. A primeira é a atividade jornalística, com a produção de reportagens e vídeos com um conteúdo que não é normalmente noticiado em veículos hegemônicos. A segunda é através da educação, com o objetivo de informar a população, especialmente sobre o trabalho escravo. A terceira é a produção de dados.

A coordenadora da parte educativa do Repórter Brasil, Natália Suzuki, também jornalista e pós-graduada em Direitos Humanos e Intervenção Humanitária, aponta que há um desconhecimento muito grande da sociedade sobre o que realmente é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Quando você não conhece, é muito fácil você criticar, resistir e elaborar ideias equivocadas a respeito do que se trata. Quando as pessoas relacionam com ‘direitos de bandidos’, significa que há um desentendimento. Ainda há muito para ser esclarecido”, disse ela. Natália também destacou a importância da atividade informativa sobre trabalho escravo, já que o trabalho decente também é incluído como um direito fundamental do ser humano. “Esse tema é dedicado à prevenção por meio da educação”, contou a jornalista sobre o trabalho feito na Repórter Brasil.

Coordenadora da área de educação da Repórter Brasil, Natália Suzuki é jornalista, cientista social e pós graduada em Direitos Humanos. (Foto: Divulgação)

A atividade de veículos como esses, que contrariam tabus antigos, é alvo de discursos de ódio e ameaças aos jornalistas. Assim como as represálias presentes nos comentários da matéria do G1, o Repórter Brasil e tantos outros canais jornalísticos e comunicadores sofrem com a fragilidade da liberdade de expressão no Brasil. Diante desses fatos e após articulação da sociedade civil, o Ministério dos Direitos Humanos (MDH) publicou, em setembro deste ano, no Diário Oficial da União, a portaria nº 300/2018, responsável pela inclusão de comunicadores no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH). As medidas vão desde ações públicas para reduzir ameaças, até solicitar a proteção de órgãos de segurança pública na retirada da pessoa ameaçada do local em que se encontra. Com estas ações, pessoas que desempenham comunicação social, seja profissionalmente ou de forma voluntária, disseminando informações que visam a defender os direitos humanos, podem acionar as medidas do Programa de Proteção. Para Natália, a inclusão de comunicadores é importante, mas não suficiente. “Acho que teria que entender o porquê de esses comunicadores estarem precisando de um programa de proteção. É uma medida de urgência, mas não resolve o problema de origem. Há coisas que devem ser entendidas em sua estrutura”, disse.

Os 99 registros de casos de violência contra jornalistas no Brasil em 2017, de acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), exemplifica a emergência da medida de proteção aos profissionais. No entanto, o cenário não é exclusivo no Brasil. Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, a falta de liberdade de imprensa está presente em outros países, como Turquia e Egito, onde jornalistas sofreram com terrorismo e prisões arbitrárias. Na Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi foi acusado de pagar exércitos de robôs para aumentar a disseminação de ódio aos profissionais na internet.

Recentemente, no dia 8 de novembro de 2018, foi publicado o Ciclo do Silêncio, um relatório feito pela organização Artigo 19 que trata sobre a impunidade em relação a homicídios de comunicadores. O documento também monitorou casos de graves violações à liberdade de expressão no Brasil. De acordo com os dados divulgados, 22 casos foram acompanhados: oito blogueiros, seis radialistas, cinco jornalistas, dois donos de veículos de comunicação e um fotógrafo. Todos eles têm semelhanças, o que levou a organização a estipular tendências para as mortes. Os crimes geralmente acontecem em cidades pequenas, com o envolvimento de figuras públicas, como deputados e vereadores. Além disso, a violência policial contra comunicadores, especialmente em manifestações de rua, vem mostrando crescimento nas ocorrências.

O cenário é uma das preocupações do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que tem a missão de acompanhar as políticas públicas no campo da defesa dos direitos. O órgão funciona com 11 comissões permanentes e uma delas trata do direito à comunicação e liberdade de expressão. Uma das conselheiras, Iara Moura, também jornalista e integrante do coletivo Intervozes, é responsável por coordenar essa comissão. Para ela, existem três medidas emergenciais a serem tomadas para combater essa violência. A primeira é a prevenção, com empresas privadas oferecendo melhores condições de trabalho e treinamento de segurança. Também é necessária uma maior atenção do Estado aos casos de violência aos comunicadores, especialmente em períodos eleitorais, quando as ameaças e agressões aumentam. De acordo com a conselheira, é crucial uma atuação de forças de segurança que garantam o direito à liberdade de expressão. Por último, ela cita a impunidade: “no Brasil, nós somos recorde na violência contra comunicadores, com invasão de dados, apreensão de equipamentos e homicídios”.

Iara Moura é jornalista e integrante do coletivo Intervozes, além de ser conselheira no Conselho Nacional de Direitos Humanos. (Foto: Divulgação)

Os fatos refletem em um ranking divulgado pela ONG internacional Repórteres Sem Fronteiras. O Brasil é o segundo país da América Latina com maior número de jornalistas assassinados entre 2010 e 2017, perdendo apenas para o México. “A gente entende que cada vez que um comunicador, seja blogueiro, jornalista, o que for, é silenciado, ameaçado ou morto, quem perde é a democracia”, disse Iara.

Mesmo com essas dificuldades, ainda existem profissionais da área dispostos a enfrentar todas as dificuldades para lutar pelos direitos humanos. É o caso da jornalista Gizele Martins, moradora do Complexo da Maré e comunicadora comunitária, que já sofreu diversos tipos de ameaças por realizar cobertura de assassinatos, chacinas e remoções. Gizele relata 11 casos de ameaça, alguns deles por órgãos como a Polícia Militar, a Polícia Civil e o Exército, quando teve que se retirar de sua própria casa. Além disso, ainda aconteceram ataques online, que a obrigaram a excluir quatro contas no Facebook. “Foram mais de 400 pessoas me adicionando e me atacando, mandando mensagens dizendo que queriam me matar e estuprar porque eu defendia bandido”, conta a jornalista.

A jornalista e comunicadora comunitária Gizele Martins integra a Comissão de Direitos Humanos da ALERJ. (Foto: Simone Nascimento)

Ela também destacou a importância dos veículos contra-hegemônicos na luta pela efetivação dos direitos humanos. “Para ela, quem conhece e entende a garantia de privilégios é a classe mais rica, que está no “asfalto” (ou seja, que não mora na favela). “A mídia contra-hegemônica tem o papel de dizer à população empobrecida que ela merece esses direitos porque também está inserida na sociedade. Mas, como para ela isso não é garantido, nós precisamos lutar por esses direitos, e não comprá-los”, acrescentou.

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