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Arte na favela: incentivo ao talento dos jovens nas comunidades do Rio

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Reportagem de Rosana Freitas

Entre becos e vielas de um local marginalizado, a arte surge como esperança. Por meio de ONG’s e grupos, algumas pessoas vêm mudando a realidade das favelas do Rio de Janeiro. Projetos de dança, poesia, teatro e música são alternativas que apresentam um mundo diferente aos jovens que moram nesses espaços, além dos cursos profissionalizantes, que geram renda aos pais desempregados.

“A gente entende favela como potência e não como carência. Todos os dias meninos e meninas brilhantes crescem na favela com capacidade de se tornarem grandes artistas”- diz Lucas Santos, sócio do “Favela em Dança”. O festival surgiu em 2013 no morro do Cantagalo, zona sul do Rio, através da “Agência Redes Para a Juventude”, que trabalha para fazer ideias de moradores de favela e periferia se tornarem projetos em seus territórios.

Lucas conta que o objetivo do festival é ser uma plataforma de descoberta artística para os jovens. “Eles podem entender que tem um destino para a vida deles se decidirem ser profissionais de dança”, afirma. Ele acredita na força da dança para a construção de um ser humano e relata sua experiência:  “Quem está de frente no tráfico hoje são os meninos que cresceram comigo. Ninguém nem pelo menos apresentou outro caminho a eles”.

O “Favela em Dança” é o primeiro festival de dança urbana que acontece dentro de favelas. O diretor de comunicação Luan Chelles afirma que a maior dificuldade é a questão financeira. “Esse ano não sabemos se vamos conseguir fazer,  mas a gente segue tentando”, conta.  O evento, que acontece de dois em dois anos no Cantagalo, também gera renda para os moradores. A locomoção das pessoas, por exemplo, é feita através de um acordo com o moto-táxi local. Além disso, moradores também ajudam a produzir o evento: “A comida que é servida é toda feita por moradores, a equipe de limpeza e segurança também”, explica Luan.

Paralelamente ao festival existe também o “Favela em Dança Batalha”, em que cinco grupos de dança de regiões periféricas do estado são selecionados. “Foi uma batalha online, em que eles tinham que sair da sua zona de conforto. O vencedor ganhou cinco mil reais para fomentar a dança no local onde vive”, diz Luan.

Grafite de divulgação do “Favela em dança” no morro do Cantagalo.
Foto: Rosana Freitas

Além das batalhas de dança, existem também as de poesia. No Complexo do Alemão, em 2017, aconteceu o primeiro ”Slam Laje”, na laje da Casa Brota. A ideia veio da vontade de levar a poesia para a favela. “A maioria das vezes a gente passa por repressão e não tem muito entretenimento para as crianças aqui”, diz Alan Eduardo, de 30 anos. Conhecido como Al-Neg, ele ajudou a levar o projeto para a comunidade junto da sua irmã, Sabrina Martina, de 22 anos, a Mc Martina. O evento promove também a batalha de passinho, dança que teve origem nos bailes de favela, e a batalha do conhecimento, uma disputa só com rimas que passam informações sobre um tema da escolha do público presente. Quem puxa a batalha do conhecimento no “Slam Laje” é o MC Theus, de 11 anos, nascido no Alemão. “A gente quer trazer essas crianças para perto, passamos a criar várias ferramentas e várias formas de alcançar isso”, diz Sabrina, que divulga o projeto através das redes sociais e faixas espalhadas pela comunidade.

Em relação a violência, Mc Martina conta que tem vontade de mudar a imagem estereotipada da favela: “ A gente quer reverter isso através da cultura, da arte e da poesia marginal”, explica, utilizando a forma com que os poetas dos Slam’s se referem ao que eles produzem. “Quando a gente fala da nossa vivência, do cotidiano do favelado, é uma poesia que já não tem mais aquela aceitação”, diz Al-Neg. Além disso, ele relata que as crianças frequentam os eventos e que perguntam sobre as próximas edições: “É importante para essas crianças uma visão que não tem só o lado do tráfico e da violência”.  

Slam Laje do mês de março na Casa Brota. Foto: Reprodução Slam Laje

Partindo do mesmo objetivo, a contribuição para o desenvolvimento social das crianças, surgiu a ONG “Favela Mundo”. Com oficinas gratuitas de dança, música e teatro,  eles atenderam mais de 4.100 crianças e jovens do Rio de Janeiro desde sua criação, em 2010Dentro da Cidade de Deus a melhora das crianças é perceptível. “A agressividade delas diminuiu bastante”, conta a coordenadora do projeto, Stéphany Aquino, de 30 anos. Além da Cidade de Deus, a ONG atua em Thomáz Coelho, Piedade e Rocinha. Segundo ela, uma das dificuldades para dar seguimento ao projeto nas comunidades que o abrigam  é a violência: “Depois de tudo que a gente conseguiu, começa a ter conflito e a gente tem que fechar o lugar”, conta.

O “Favela Mundo” oferece também a ação “A Arte Gerando Renda”, que tem o intuito de capacitar profissionalmente jovens maiores de 15 anos.  Joanne Cristina, de 40 anos, é uma das participantes. “Foi muito importante na minha vida porque abriu muitas portas. Na comunidade, têm muitas pessoas que tem dom e não dão valor”, afirma. Ela, que antes não tinha renda , se destacou na turma e foi chamada para trabalhar como professora de decoração artística de unha na ONG. O projeto também deu oportunidades de capacitação para sua filha: “Ela trabalha quando tem evento de maquiagem artística, agora no carnaval ela maquiou a bateria do Salgueiro”.

Joanne Cristina dando aula na ONG Favela Mundo.
Foto: Rosana Freitas

“A arte transforma tudo, seja você pobre ou rico, ela serve para abrir seus horizontes, movimentar sua mente e alimentar sua alma. Ela é muito importante nesse âmbito da periferia porque é um suspiro dentre tantos acontecimentos ruins”. É assim que Sabrina Ginga, cientista social e passista, descreve a importância da arte dentro da favela. Tendo em mente o objetivo de discutir o papel da mulher no samba, ela e as também passistas Rafaela Dias, Larissa Reis e Mirna Moreira criaram, em 2016, o “Samba Pretinha”, no Salgueiro. O grupo promove rodas de conversa sobre questões como reconhecimento artístico das passistas, hipersexualização da mulher negra, racismo e machismo nas escolas de samba. Logo em seu primeiro evento, as meninas contam que conseguiram unir mulheres de três gerações dentro da quadra do Salgueiro.

Sabrina teve uma mudança significativa na sua vida ao encontrar, no mundo do carnaval, a sua ancestralidade: “O samba é uma cultura negra periférica que foi criada por pessoas faveladas. Ele transforma a vida das pessoas que moram na comunidade”. Ela também afirma o quanto a presença feminina nesse espaço é importante: “Eu não sei o quanto o samba transforma a vida das mulheres ou o quanto as mulheres transformam o samba”

Da esquerda para a direita: Larissa Neves, Mirna Moreira, Rafaela Dias e Sabrina Ginga, idealizadoras e produtoras do Samba Pretinha.
Foto: Reprodução / Facebook Oficial Samba Pretinha