Acervo cultural: orixás além da história
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A fumaça que saía dos incensos, combinada com a música de fundo e a meia luz que iluminava o local, despertava a curiosidade daqueles que visitavam a sala. Ao entrarmos no cômodo, víamos a imagem de Oxalá, que, segundo as crenças do candomblé, simboliza o início, o fim e o infinito. Assim como teria dado início à humanidade, Oxalá inicia a exposição “Orisá: quando o mito veste o corpo” representado por uma foto do cantor Gilberto Gil, coberto por um manto branco e derramando um líquido de um jarro que segurava em uma de suas mãos.
Utilizando-se de pedras, areia, barro e até mesmo de pedaços de árvores, a mostra apresenta uma releitura dos orixás a partir de fotografias de 20 modelos: tanto voluntários quanto famosos e anônimos. Daryan Dornelles e Stefano Martini foram os fotógrafos escolhidos por Margo Margot, o idealizador da exposição, para pôr em prática o projeto. Localizada no Centro Cultural Justiça Federal (CCJF), na Cinelândia, a exibição pretende trazer uma reflexão da cultura afro-brasileira e apresentar valores ligados à tradição de um povo. “A questão da materialidade em algumas culturas africanas é muito importante para fazer a ligação entre o mundo espiritual e o mundo material. Aqui, ela está presente de várias formas, até mesmo na textura no corpo das pessoas que foram fotografadas. É interessante como eles trabalharam com várias linguagens” disse a professora do D.Pedro II e artista visual, Rosiane Dourado, que estava visitando a exposição no último dia 20 com seus alunos.
Gratuita e aberta ao público, de terça a domingo, das 12h às 19h, Orisá ficará aberta até o dia 5 de novembro, a exposição apresenta os principais orixás da cultura afro descendente. Um deles foi a yabá Obá, a orixá guerreira e representante da água revolta dos rios, segundo o candomblé. Ela é conhecida, na religião, por ter derrotado todos os orixás em batalhas justas, tendo, por isso, se tornado um símbolo de luta e de justiça. Além disso, segundo a crença do candomblé, Obá é aquela entre os orixás que pune os homens que maltratam as mulheres, o que contribuiu para que fosse vista também como um símbolo de resistência. Na exposição, ela é representada caindo, mas, ao mesmo tempo, mantendo o punho fechado de uma das mãos levantado em direção ao céu, dando destaque à sua importância como ícone de resistência que reflete da cultura africana, envolvendo os visitantes. “Eu estou muito impressionado. Já tinha pesquisado sobre os orixás em várias ocasiões e, aqui, o fundo musical, enfim, tudo é impactante. Recomendaria para todos conhecerem as dimensões do trabalho artístico da mostra: as fotografias são impressionantes”, alega José Augusto, que estava visitando a exposição, mas não quis fornecer seu sobrenome nem sua ocupação.
Outra orixá que foi escolhida para participar do projeto foi Oxum, a yabá representante da água doce, da beleza, do amor e do ouro, de acordo com o candomblé. Oxum, além de representar esses elementos, também está associada, na religião, à fertilidade, às crianças e à própria maternidade, o que faz com ela tenha grande influência nas crenças afro descendentes. Na exposição, quem encarna a deusa africana da beleza é a atriz Zezé Motta, de 73 anos, quebrando o tabu de que a beleza feminina deve ser obrigatoriamente atrelada à juventude. “Percebe-se que os artistas fizeram leituras bem livres dos orixás, eles não estão com a sua forma tradicional de representação, com as roupas tradicionais”, observa Rosiane. “Isso é interessante porque fica mais subjetivo. Ao mesmo tempo, fica bem notório que eles se preocuparam em colocar alguns elementos simbólicos”, prossegue ela. “Tem até alguns aqui que eu não conhecia. Como todas as fotos dos orixás têm legenda, as pessoas, se quiserem, podem pesquisar sobre eles após visitar a exposição”, conclui a artista visual.