Pressão estética: o desenvolvimento de transtornos alimentares em mulheres
Compartilhar
A cultura brasileira tem uma longa história de ênfase na imagem corporal, com uma forte associação entre beleza e sucesso pessoal. Os estereótipos de corpos esbeltos, bronzeados e tonificados são frequentemente promovidos pela mídia, pela indústria da moda e pelos influenciadores digitais. As mulheres são particularmente afetadas por essas pressões, pois são constantemente expostas a imagens idealizadas de corpos femininos e são incentivadas a se enquadrar nesses padrões. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 5% da população do país, aproximadamente 10 milhões de pessoas, sofre com os transtornos alimentares, causados, na maioria das vezes, por fatores socioculturais, hormonais ou genéticos.
O estudo “Global Proportion of Disordered Eating in Children and Adolescents” publicado na revista científica Jama Pediatrics concluiu que uma em cada cinco crianças e adolescentes possuem transtornos alimentares, quadros psicopatológicos caracterizados por graves perturbações no comportamento alimentar, que afetam, em sua maioria, o sexo feminino. Esses quadros podem resultar em prejuízos biológicos, psicológicos e sociais. Muitas vezes, a pressão estética começa dentro de casa, ainda na infância. A estudante Clara Souza, de 23 anos, conta que começou a ter problemas com a imagem ainda jovem, aos 12 anos: “Eu era uma criança magra, até que veio minha primeira menstruação e tudo mudou, engordei e todos da minha família começaram a fazer comentários. No colégio, todas as minhas amigas continuaram muito magras, e eu passei a não me sentir inserida, então comecei a fazer dieta para mudar isso.” A jovem relata que a restrição alimentar a levou à compulsão e depois ao início de uma bulimia, que foi quando ela procurou ajuda psicológica.
Além da pressão que existe dentro dos ciclos sociais, a ascensão de perfis na internet criou um padrão irreal de beleza, caracterizado por corpos modificados em aplicativos ou promovidos por pessoas que são pagas para ter um físico perfeito. Essas imagens idealizadas levam muitas mulheres a desenvolverem uma insatisfação com seus próprios corpos e a recorrerem a procedimentos estéticos, atrelados aos transtornos alimentares: anorexia, bulimia e compulsão alimentar. O Brasil é conhecido por sua obsessão pela aparência física e tem uma das maiores taxas de cirurgias plásticas per capita, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Além das cirurgias estéticas, procedimentos não cirúrgicos tiveram grande aumento nos últimos anos. Harmonização facial, botox e preenchimento são alguns deles, e quando não feitos com um bom profissional, podem ter consequências irreversíveis e levar à morte.
A psicóloga Ana Izabelli Araki, especialista em transtornos alimentares, quando questionada se acredita que as redes prejudicam mais do que ajudam pessoas com transtornos alimentares, afirmou acreditar que a proporção entre ajudar e atrapalhar está bem desigual: “A pressão estética imposta pela mídia traz um fator extremamente prejudicial no quesito transtornos alimentares, que é a comparação. Dois dos meus atendimentos de hoje, por exemplo, tiveram relatos de que passou a existir percepção de piora no quadro de compulsão alimentar, desde que iniciou o acompanhamento de séries coreanas e o uso de Tiktok – pois acreditam que nunca vão alcançar tal “padrão” corporal.”
Ana Izabelli resolveu seguir na área de transtornos alimentares, porque no auge da bulimia, aos 15 anos, teve os sintomas agravados quando foi em uma psicóloga que não era especializada no assunto. Ela conta que foi recebida com uma poltrona de frente a um espelho grande e que passou a consulta toda ouvindo “conselhos” da profissional e comentários sobre o formato de seu corpo. “Isso jamais seria uma conduta ética de um profissional. Como não tinha nenhuma psicóloga especializada em transtornos alimentares na cidade em que eu morava, pensei: ‘eu serei essa pessoa!’” acrescentou. A psicóloga afirmou existirem diversas abordagens teóricas dentro da psicologia, todavia o padrão ouro de tratamento para transtornos alimentares é a Terapia Cognitiva Comportamental.
A advogada Júlia Palmier, de 24 anos, desenvolveu anorexia nervosa após uma viagem de 25 dias em que ganhou um pouco de peso, e até então, nunca havia tido problemas com seu corpo, porém a insatisfação a fez procurar uma nutricionista que a intitulou como “falsa magra” e restringiu sua alimentação ao extremo. “Sempre me pressionei muito para fazer as coisas de uma forma incrivelmente perfeita e tomei isso como um desafio. Daí para frente foi ladeira abaixo: comecei com 59 quilos e cheguei aos 40, isso tudo em 3 meses.” Ao ser questionada se as redes sociais influenciaram nesse processo, a advogada relatou que vivia em redes sociais se comparando com mulheres magras e que tinha uma página no Instagram apenas para esse “estilo de vida saudável”.
Júlia acredita que os elogios ouvidos em seu processo de emagrecimento foram combustível para querer emagrecer cada vez mais e que por sorte, seus pais, médicos, perceberam que algo estava errado. Ela custou a acreditar que estava com um transtorno alimentar, porque sua nutricionista falava que era apenas ganhar massa magra e que sua ficha só caiu quando veio o diagnóstico por uma endocrinologista “Eu não tinha escolha, ou comia ou morria”. O tratamento para transtornos alimentares é longo e demorado, um dia após o outro e muitas recaídas. “Saber que é um processo de altos e baixos e ter uma rede de apoio. Quando eu tive, poucas pessoas conheciam o que era anorexia de perto, pouco se falava sobre transtornos alimentares, bulimia, compulsão, positividade ou neutralidade corporal. É essencial se rodear de pessoas e conteúdo que sejam voltados para saúde, pessoas e conteúdos conscientes!” completou ela.
Reportagem: Agnes Todesco
Supervisão: Júlia Vianna e Luciana Campos