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Fora da curva: entenda quais foram os municípios que votaram em oposição aos estados na corrida presidencial

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Eleição mais acirrada da história é marcada também por dimensões raciais, de gênero e classe social.

A eleição presidencial de 2022 foi marcada como a mais disputada desde a redemocratização, com uma diferença percentual entre os candidatos que não ultrapassou 2%. Com o Brasil dividido em dois lados, os estados e regiões apresentaram padrões de votação que já eram previstos pelas pesquisas. Alguns municípios, por outro lado, tiveram resultados que fugiram à regra e votaram em oposição à média estadual. 

A região do Nordeste foi a que mais votou em Lula, foram 69,34% dos votos destinados ao petista. Em contrapartida, Bolsonaro foi maioria em todas as outras regiões do país: Norte, Sul, Centro-Oeste e Sudeste. No Estado mais bolsonarista do Brasil, um resultado atípico chamou a atenção. Na cidade de Uiramutã, localizada em Roraima, Lula saiu vitorioso com quase 70% dos votos (69%), contra  31% para Jair Bolsonaro

O resultado do pequeno município foi o contrário da média estadual. Dentre os quinze municípios da unidade federativa, o candidato Jair Bolsonaro obteve, em média, 70% de votos, enquanto o ex-presidente Lula obteve, em média, 30% dos votos.  Bolsonaro teve quase vitória unânime em Roraima: dos quinze municípios do Estado, quatorze preferiram Jair Bolsonaro. A exceção foi o município de Uiramutã, que tem 88,1% da população indígena, segundo o IBGE, e é governado pelo prefeito Tuxaua Benisio, um indígena do partido REDE que apoiou Lula nas eleições.

Uiramutã está localizada em parte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde vive uma população de 5 mil indígenas dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana. Para a cientista política Karla Gobo, além dessa ter sido a eleição mais acirrada da história do Brasil, ela também parece ter sido a mais marcada pelas dimensões étnico raciais,  de gênero, classe social e demográficas.

O prefeito Tuxaua Benisio afirmou que a diferença de Uiramutã em relação à média estadual  é reflexo  do apoio de Lula à causa indígena: “O município de Uiramutã é um município diferente dos outros 14 municípios daqui do estado de Roraima. Aqui, a maior parte da população é indígena. O presidente Lula, na gestão passada, demarcou e homologou as terras indígenas. Por motivo disso, os povos indígenas e não indígenas de Uiramutã pleitearam em favor do Lula”, completou. 

Tuxaua também reforçou que a vitória do petista no município ocorreu graças à gratidão dos povos originários, que muito se esforçaram para exercerem seus direitos: “Aqui é muito diferente das sociedades brancas, porque o povo não mora na cidade, mas nas terras indígenas. Muitas sessões ocorreram nas comunidades, o que é diferente das cidades. Então muitas pessoas foram votar a pé ou a até mesmo a cavalo. Muitos deles percorreram dois dias até as sessões para votar”, explicou.

O governo Bolsonaro, por outro lado, desde o início se manifestou contra a demarcação das terras indígenas. Em discurso feito logo após a eleição de 2018, Bolsonaro ameaçou, inclusive, rever a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, onde se localiza Uiramutã, a fim de intensificar a exploração do garimpo.”Não é só a Raposa Serra do Sol, são várias outras reservas enormes, riquíssimas, que o mundo está de olho lá”, disse Bolsonaro. Em 2016, quando ainda era deputado, Bolsonaro chegou a dizer de que forma imaginava a liberação da terra: “dar fuzil e armar todos os fazendeiros”, disse o então parlamentar. 

Há dois anos à frente da gestão de Uiramutã, o prefeito Tuxaua Benisio relatou que a baixa disponibilização de verbas é o maior desafio enfrentado na luta pelo desenvolvimento do município. Segundo ele, o preconceito com a etnia indígena dificulta a conversa com o governo estadual e os demais parlamentares de Brasília. “Para conseguirmos algo, precisamos viajar até lá”, explicou.

Fórum Internacional dos Povos Indígenas. Reprodução/Ricardo Stuckert

Na última quarta-feira (16), o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a criação do Ministério dos Povos Originários. Segundo ele, o objetivo é garantir que “os indígenas não sejam tratados como bandidos”. A decisão trouxe esperança para os mais de 800 mil indígenas espalhados pelo território brasileiro, incluindo o prefeito de Uiramutã. “Isso fortalece e facilita a nossa busca por desenvolvimento, saúde e educação”, completou Tuxaua. 

Karla Gobo explica que para compreender comportamentos eleitorais como estes é preciso observar o que acontece nesses municípios: “O caso dos indígenas parece um desses casos emblemáticos, tanto que as contestações que alguns bolsonaristas fazem com relação às urnas eletrônicas é que em algumas localidades o presidente não teve sequer um voto. Quando vão observar onde estavam essas urnas, era justamente em territórios em que a grande maioria eram indígenas”.

Em oposição à Roraima, o estado mais lulista do Brasil foi o Piauí. O candidato do PT recebeu 76,86% dos votos válidos do estado e saiu vitorioso em todos os 224 municípios. Em média, Lula obteve 83% dos votos nas cidades do Piauí, enquanto o candidato Jair Bolsonaro, 17%. O município mais bolsonarista do estado mais lulista do Brasil é Miguel Leão, onde Bolsonaro recebeu quase 40% dos votos, mais do que o dobro da média do Estado.

O prefeito da cidade, Roberto César (PP), aponta que o comportamento eleitoral da população está diretamente ligado ao histórico da cidade com governos anteriores. Isso porque, desde 2003, o estado teve quatro mandatos de governo do PT. O bancário e escritor Wellington Dias exerceu o cargo  entre 2003 e 2010 e em seguida entre 2015 e 2022. “Nosso município foi esquecido pelo Governo do Estado, mas reconhecido pelo Governo Federal através do trabalho do Senador Ciro Nogueira e da Deputada Federal Iracema Portella”, afirmou o prefeito.

Karla destaca que, em casos como esses, é pertinente considerar a importância do executivo e do possível uso da máquina pública na campanha eleitoral: “Pode ser as duas coisas: identidade e também uso da máquina em defesa de um candidato. O uso da máquina pode ser desde elementos mais “republicanos” e que estariam ligados a ideia da semelhança de projetos até os mais “ilicitos”, como o Caco Barcellos mostrou no seu programa Profissão Repórter”, afirmou. 

O caso destacado pela cientista se refere a um suposto esquema de compra de votos ocorrido em Sapucaia, município do Mato Grosso do Sul, a menos de 48 horas do início do segundo turno. A reportagem, exibida na segunda pós eleição (01), mostra uma reunião de funcionários da prefeitura com os beneficiários do Auxílio Brasil que, segundo moradores, foram convocados para declarar o voto em Jair Bolsonaro (PL). O evento foi flagrado pelos jornalistas Caco Barcellos e Chico Bahia que, após realizarem as filmagens, foram pressionados a deixarem a cidade.

Apesar do comportamento diferenciado de Miguel Leão em relação aos outros municípios do Piauí, Roberto afirmou que as eleições foram pacíficas e reiterou os motivos pelos quais quase 40% da população votou em Bolsonaro: “A polarização é natural devido a uma gestão municipal que é oposição ao Partido dos Trabalhadores que é muito forte no Nordeste, em especial no Piauí”. Ele também acrescentou o que espera para o terceiro mandato de  Lula e de que maneira acredita ser possível restaurar a união do país: “Um Congresso vigilante que reprime abusos e que aprove medidas em benefício da população brasileira. A união só ocorrerá se houver um bom governo e sem escândalos”.

Para a cientista política Karla Gobo, é preciso relativizar a ideia de polarização que é difundida desde 2018: “As eleições antes do fenômeno do bolsonarismo foram marcadas pela polarização PSDB e PT, mas esses eram dois partidos disputando dentro das regras do jogo democrático […] A diferença é que desde as eleições de 2018, temos uma outra força de extrema direita e não há nada equiparável do outro lado”, finalizou a cientista.

Reportagem: Fernanda Bichara, Isabela Garz e João Pedro Fonseca

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