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Segurança em pauta: Jornalismo nas favelas cariocas

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No dia 2 de junho de 2002, o jornalista Tim Lopes foi sequestrado e brutalmente assassinado enquanto apurava uma reportagem no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro. Mesmo após quase 22 anos, o crime ainda ecoa na forma de se fazer jornalismo e se tornou símbolo da luta pela liberdade de imprensa no Brasil. Naquela época, pouco se falava sobre a segurança dos jornalistas, e isso incluía as apurações dentro das favelas. Apesar dos avanços tecnológicos e de proteção, esse tipo de cobertura continua sendo arriscado e os profissionais ainda sofrem com violências que dificultam o exercício da profissão. De acordo com dados da ONG Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil está em nono lugar entre as nações com mais ataques letais à jornalistas, com uma média de 42 mortos desde 2003.

Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento foi torturado, assassinado e queimado por traficantes da Vila Cruzeiro. O jornalista estava no local trabalhando em uma matéria para a Globo sobre a presença de menores de idade em bailes funk. Lopes possuía um modo de operação que consistia em apurar repetidamente no mesmo local, se camuflar no meio das pautas e, consequentemente, se expunha mais.

Em 2011, o cinegrafista Gelson Domingos, da Rede Bandeirantes, faleceu após tomar um tiro durante uma operação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) na favela de Antares, em Santa Cruz. A apresentadora Nadja Haddad ficou ferida após levar um tiro enquanto cobria uma operação na comunidade de Santa Marta, em 2005. Três anos depois, uma repórter, um fotógrafo e um motorista do jornal O Dia foram torturados por milicianos na Favela do Batan, em Realengo. Todos os casos ocorreram em comunidades do Rio, e mostram como, mesmo com a morte de Tim Lopes e todas as medidas de segurança que vieram depois, a cobertura jornalística está longe de ser segura.

Um dos reflexos da morte de Lopes foi a criação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) em 2003, que tem como uma das missões proteger jornalistas em situação de vulnerabilidade. Os casos de ameaças, violência e assassinatos aos profissionais se espalham por todo o território brasileiro e, desde a criação da Associação, são catalogados e investigados com mais vigor pelos próprios jornalistas.

Em 2017, foi criado pela Abraji o Programa Tim Lopes, como forma de resposta à violência contra jornalistas. Desde então, há cinco casos sendo acompanhados: Jefferson Pureza (2018); Jairo de Souza (2018); Léo Veras (2020); Givanildo Oliveira (2022); e Dom Phillips (2022). Segundo a Associação, todos esses casos estão diretamente ligados à profissão das vítimas.

Segundo o último levantamento da associação, foram registradas 294 agressões contra jornalistas apenas nos primeiros 7 meses de 2022. Elas variam entre episódios de violência física, destruição de equipamentos, processos civis e penais, entre outros. Os principais agressores são agentes estatais, responsáveis por cerca de 71,8% dos casos; por outro lado, ainda segundo o levantamento, os casos mais graves são feitos por agentes não estatais.

Para manter a segurança, os jornalistas devem garantir a proteção de todos os passos de uma apuração. Um fator importante para os repórteres é mapear o local de apuração ou cobertura e disponibilizar localização geográfica ao ir para campo. Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes da Abraji, diz que ter um protocolo de segurança interno é imprescindível para garantir a segurança dos jornalistas: “Antes de você chegar no lugar tem que saber quem são seus aliados, quem ali é neutro e quem não é, quem é o seu adversário e quem é seu inimigo. Você tem que mapear o lugar onde você vai para você saber, se der ruim, como sair de lá. Isso é o básico.”, explica.

A violência contra jornalistas está em diversas instâncias além da agressão física, seja em ameaças, abuso de poder ou monitoramento de atividades. É o que explica Bruna Lima, repórter da Coluna do Guilherme Amado, no Metrópoles: “A violência não está só na rua, ela também está no monitoramento, em botar seu nome num relatório do Ministério Público, num relatório de investigação de indiciamento para queimar seu nome.”, comenta.

A tecnologia, principalmente por ser utilizada durante a comunicação de informações sigilosas, também deve ser operada com cuidado pelo jornalista. Um meio que pode ser comum para a população geral, mas que é evitado por repórteres que tratam de temas sensíveis, é o WhatsApp. Apesar de ser conhecido por criptografar as mensagens de ponta a ponta, o aplicativo armazena os dados e conversas dos usuários em seus servidores, então não é recomendado a quem tem chance de estar exposto à hackers. Nesse caso, segundo Angelina, o aplicativo mais seguro para a troca de mensagens é o Signal, por conta da força de seus protocolos de criptografia.

Bruno Quintella, jornalista e filho de Tim Lopes, comenta que, mesmo havendo mudanças positivas na forma de proteger jornalistas hoje em dia, cabe à chefia do veículo saber em quais situações enviar, ou não, um repórter: “Eu acho que, na cobertura de conflito, teve uma mudança positiva. Mas também tem que ter um pouco da postura da redação da chefia e do profissional, tem a questão de você fazer uma matéria que vai prejudicar alguém.”, comenta.

A nova geração do jornalismo enfrenta desafios significativos devido ao esvaziamento das redações e à constante apreensão em relação a possíveis ataques, já que os exemplos passados evidenciam esse perigo. No entanto, essa proteção se alia a um distanciamento da apuração in loco e gera uma desconexão com a realidade das ruas. Essa situação opõe o estilo de apuração de Tim Lopes, por exemplo, que buscava viver na pele cada matéria que produzia. Quintella compara esse trabalho à atuação: “Acho que é muito trabalho semelhante ao do ator, né? Quando você faz um laboratório, você tá encarnando um personagem. Você usa um pouco essa experimentação na pele. Por exemplo, a última matéria que ele fez tem muito esse trabalho. Foi ao ar em fevereiro de 2002, ele se internou numa clínica para dependentes químicos [para fazer a reportagem].”

Por outro lado, Lima alega que os novos jornalistas estão mais afastados das histórias que apuram: “É uma geração que vem com mais distanciamento da história, do povo, da rua. A gente acha que pode resolver tudo por celular, por rede social. Mas eu acho que, no geral, ainda tem salvação do repórter ir pra rua, apurar e tal. Mas é uma cultura (de apuração) que tem que ser criada pelo repórter e tem que ser fomentada pela redação, pelo chefe direto, pelo editor.” comenta.

Reportagem: Anna Julia Paixão e Duda Martinez

Supervisão: Joana Braga

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