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Uma Orquestra e um Rio

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Os 90 anos da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Em um sábado de setembro de 1931, o público encheu as frisas, camarotes e plateias do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Antes da apresentação muito aguardada do tenor italiano Tito Schipa, que chegara à cidade na manhã anterior, ouviram reverberar as notas do Hino Nacional, seguidas por trechos d’O Guarany de Carlos Gomes. À frente da orquestra estava o regente e autor do Hino da Bandeira, Francisco Braga. Certamente, não era a primeira vez que uma das óperas mais importantes da música clássica brasileira era tocada no maior teatro da então capital federal. Tampouco era a estreia de Braga na casa, tendo inclusive regido seu poema sinfônico Insônia na inauguração do Municipal, vinte e dois anos antes. O que fazia daquele espetáculo tão diferente estava no fosso da orquestra.

Noventa anos depois, a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (OSTM) tem muito a comemorar. Ao longo dessas nove décadas, passaram pela Orquestra nomes como Igor Stravinsky, Francisco Mignone, Radamés Gnattali e Guerra-Peixe. Sem falar em Heitor Villa-Lobos, que estreou diversas obras com o corpo artístico do Municipal. É saudando esse passado que as apresentações de abertura da temporada de 2021 tiveram como protagonista a OSTM. Nos dias 07, 14 e 21 de maio, o naipe de cordas e o quinteto de metais da Orquestra do Municipal realizaram uma série de concertos transmitidos pela internet com um repertório que foi de Ernesto Nazareth a Mozart, passando por compositores como Bach e Händel. 

A Orquestra do Rio

Desde a inauguração do teatro, em 1909, os músicos que acompanhavam as óperas e os balés, ou eram contratados esporadicamente, ou vinham com as  companhias líricas europeias que aqui se apresentavam, em sua maioria, italianas. Desse modo, os empresários que financiavam e organizavam as temporadas de espetáculos da época planejavam conjuntamente as apresentações que seriam trazidas aos grandes teatros latino-americanos, como o nosso Municipal e o Colón, na Argentina. As programações eram, quase sempre, idênticas.

Em 1925, a casa de ópera dos hermanos já tinha criado, por iniciativa do governo municipal de Buenos Aires, seu corpo artístico estável, que agrupava a orquestra, o coro e o balé. Assim, a saison portenha ganhou uma relativa independência e passou a ter sua organização gradativamente centralizada pela municipalidade da capital argentina, já que não dependiam mais integralmente dos artistas europeus. Enquanto isso, no então Distrito Federal brasileiro, trazer as companhias artísticas europeias tornou-se mais custoso.

A solução adotada pelo interventor federal no Rio de Janeiro, Adolfo Bergamini, nomeado pelo então chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, foi a mesma: no dia 5 de maio de 1931, pelo Decreto Estadual nº 3.506, estava criada a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A comissão formada pelos maestros Francisco Braga, Luciano Gallet, Salvatore Ruberti e Silvio Piergili selecionou os primeiros 60 músicos e, no dia 5 de setembro do mesmo ano, os cariocas ouviram, pela primeira vez, as notas da sua sinfônica.

Conforme conta Laura Ghelman, do Centro de Documentação do Municipal, a instituição de uma orquestra vinculada ao Theatro é um marco. “Isso trouxe uma transformação para as companhias nacionais que não tinham condição de trazer os instrumentistas”, explica a museologista. Ela ainda ressalta que, até hoje, são poucos teatros e casas de ópera brasileiros que mantêm um balé, um coro e uma orquestra sinfônica próprios.

Do fosso para fora

O restante do corpo artístico estável do Municipal foi se moldando nos anos seguintes. O Coro, criado com o mesmo decreto, apresentou-se pela primeira vez em 1933. O Balé, por sua vez, teve um caminho mais longo. Desde 1927, os bailarinos da Escola de Danças Clássicas já se apresentavam sob o nome de Corpo de Baile do Theatro Municipal, sendo oficialmente integrados em 1936.

A Orquestra do Municipal tem em seu repertório, essencialmente, óperas e balés, obras que envolvem os demais membros do corpo artístico em suas produções. Tobias Volkmann, que foi o maestro titular da OSTM de 2016 a maio de 2018, afirma que ela é uma grande orquestra de fosso, muito experiente no acompanhamento desses gêneros dramáticos. “[A orquestra] domina perfeitamente as peculiaridades do gênero e ouve tudo o que acontece no palco, sendo capaz de acompanhar bem os cantores e fornecer o suporte aos bailarinos nas situações mais desafiadoras”, conta. Mas o fosso não é o limite. O maestro também fala sobre os momentos em que a Orquestra do Municipal mostra todo o seu brilho no palco. 

Junto com o Coro, a OSTM também emociona em sinfonias corais, como a Missa Solemnis de Beethoven, os Noturnos de Debussy e a Sinfonia nº 2 Ressurreição de Gustav Mahler, essa última, lembrada por Tobias como um de suas memórias mais marcantes. “É uma obra que não se tem a chance de reger toda hora”, diz. Nesses 90 anos de história, obras de compositores brasileiros, como o Maracatu do Chico-Rei de Francisco Mignone e o Choros nº 10 de Heitor Villa-Lobos, também tiveram e têm ligação próxima com a Orquestra, lembra Volkmann.

Entre o fosso, a fossa e o foyer

Nos últimos anos, a crise político-financeira do Estado do Rio de Janeiro também atingiu o Theatro Municipal. Como servidores públicos, os funcionários da casa param de ter seus salários pagos no final de 2015. Desse período até 2018, quando a regularidade nos pagamentos foi restabelecida, sete nomes passaram pela presidência da instituição. 

Nem as instabilidades, nem a pandemia impediram que a nona década passasse em branco. No dia 7 de maio, a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal exibiu uma série inédita de três concertos pra lá de especiais, como parte das comemorações dos seus 90 anos. 

Os concertos foram todos online e gratuitos. Dois deles tiveram sua gravação realizada no palco principal do Theatro, e o terceiro, no foyer, seguindo todos os protocolos de prevenção à Covid-19. A série de apresentações, que no dia 7 apresentou o Concerto Grosso Opus 6, nº 5, de Händel, prosseguiu por mais duas semanas, com apresentações sempre às sextas-feiras. 

No dia 14, foi a vez do Concerto Série Mozart, com obras do compositor austríaco e de Boccherini. Por fim, no dia 21,  o quinteto de metais apresentou o repertório mais vasto da série, com composições de Giovanni Gabrieli, Johann Sebastian Bach, Victor Ewald, Henrique Alves de Mesquita e Ernesto Nazareth.

 

Reportagem: João Pedro Abdo | Júlia Araujo | Rodrigo Alves | Thaís Soares | Vivian Valente.

Imagem: Sheila Guimarães