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Escola Nacional de Circo resiste a desmanche cultural

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A maior da América Latina sofre em meio a conflitos políticos

A Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha (ENCLO), localizada na  Praça da Bandeira, Zona Norte do Rio de Janeiro, vivencia o descaso do Governo Federal com o setor da Cultura. Fundada em 1982  pelo circense Luiz Olimecha e pelo produtor cultural Orlando Miranda, a escola é mantida pela Fundação Nacional das Artes (Funarte), atualmente vinculada ao Ministério do Turismo. A instituição conquistou reconhecimento em âmbito nacional e internacional formando, ao longo dos 38 anos, aproximadamente 2500 profissionais. A importância cultural da instituição, todavia, parece não receber lugar de destaque no atual governo, uma vez que, ano a ano, a academia experimenta medidas que negligenciam as necessidades dos alunos.

Em 2015, com a parceria entre a Funarte e o Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), a escola passou a oferecer o Curso Técnico em Arte Circense, formação validada e reconhecida pelo MEC. O curso é oferecido na modalidade presencial e integral que inclui serviço gratuito de alimentação e uma bolsa de estudos no valor de R$2,5 mil mensais para os 60 alunos matriculados, durante o período dos 22 meses das aulas.

A bolsa é vinculada à Lei Orçamentária Anual (LOA), que depende da aprovação do Congresso Nacional. A votação acontece em todo início de ano, mas em 2021 atrasou. Com isso, o benefício dado aos alunos da escola acabou postergado. “Em fevereiro, nossa bolsa não caiu e eles davam a desculpa de que a lei não tinha sido votada e não tinha como garantir isso pra gente”, disse uma integrante do grêmio estudantil, que preferiu não ser identificada. “A [bolsa] de fevereiro só caiu dia 15 de março, a de março só caiu em abril, e todo mês a bolsa está chegando atrasada”, concluiu a aluna em uma conversa ao Portal. 

Sobre o papel do Governo em oferecer suporte aos artistas por meio das bolsas, a artista circense formada pela Escola Nacional, Georgia Bergamim, afirma: “Receber uma bolsa  proveniente dos meus estudos foi fundamental para eu me desenvolver como artista naquele momento”. Ela destaca também a dimensão da escola na sua formação e continua: “eu não consigo nem visualizar como teria sido se eu tivesse me formado sem a escola, porque ela  foi a minha primeira casa e foi a partir dela que eu me estruturei para o mercado do circo no Brasil.”

As reformas ministeriais, realizadas pelo governo federal, afetaram diretamente a Escola Nacional. Em 2019, o Ministério da Cultura foi extinto e a Funarte, que era vinculada à pasta desde 1985, foi transferida ao Ministério da Cidadania e, posteriormente, ao Ministério do Turismo. Além das mudanças relativas ao setor ministerial, a ENCLO também sofre com as mudanças na direção executiva da Funarte. Desde que assumiu a presidência da república em 2019, Jair Bolsonaro realizou seis trocas no comando do órgão responsável pela Escola. O atual presidente da fundação é o procurador federal Tamoio Athayde Marcondes, que foi o sexto a assumir a pasta, após a exoneração do Coronel de Exército Lamartine Barbosa Holanda. 

Ao todo, seis presidentes da Funarte e três coordenadores da Escola foram nomeados em um período de menos de três anos. Sobre os impactos das trocas de gestão, a integrante do grêmio estudantil da ENCLO afirmou: “Tudo que esse governo tem feito é trocar e trocar, e as trocas no meio de uma pandemia foram um choque para todos nós.” O  maior medo dos estudantes era de que, com uma nova coordenação, a escola fosse fechada e a formação técnica encerrada.

Após 6 anos frente à coordenação da Escola Nacional de Circo, Carlos Vianna foi exonerado em junho de 2020, ato que não foi bem recebido pelos alunos. “Aparentemente sem nenhum motivo. Foi uma surpresa, um choque pra todo mundo”, disse a integrante do grêmio. Luciana Lago foi escolhida como a sucessora de Vianna. Alinhada ao governo Bolsonaro, a produtora cultural teve uma participação turbulenta na escola. Os alunos afirmaram terem tentado, durante mais de 1 mês, comunicação (via e-mail) com a produtora e só obtiveram retorno meses depois. Após a exoneração de Luciana e sem decidir definitivamente um coordenador para a instituição, a Funarte aproveitou o próprio professor de preparo físico da ENCLO, João Solano, para assumir interinamente a pasta da coordenação. 

Além de todos os obstáculos referentes aos atrasos nas bolsas e trocas das coordenações, os estudantes da ENC também enfrentaram problemas relativos ao espaço físico da escola. Em dezembro de 2020, a estrutura da lona foi retirada sob a alegação de que seriam realizadas obras e revitalizações no local. Meses depois, em fevereiro de 2021, o então presidente da Funarte, Lamartine Barbosa Holanda, emitiu em um comunicado oficial a imediata transferência das ocupações do escritório administrativo da Funarte para as instalações da Escola Nacional de Circo, onde permaneceria, pelo menos, até 2023. 

A sequência de atos do Governo se apresentou para os bolsistas como uma tentativa de desmonte da maior escola de circo da América Latina. Em janeiro de 2021, os alunos formalizaram um grêmio estudantil para melhor representar os seus direitos. As primeiras ações do grupo foram publicar um abaixo-assinado e tentar ampliar a comunicação com os representantes da Funarte. Os estudantes conseguiram, em fevereiro, uma reunião  no escritório administrativo do órgão, na Avenida Presidente Vargas. Estavam presentes na reunião o então presidente Lamartine Barbosa, a secretária dele, 2 servidores públicos e 4 representantes do grêmio. Na mesma semana em que ocorreu a mobilização, a fundação voltou atrás e disse que o escritório não seria mais transferido para as instalações da escola.

A mobilização dos estudantes e da classe artística rendeu frutos. Em abril deste ano, os estudantes conseguiram o retorno das aulas online referentes ao semestre de 2020.1 e no dia 17 deste mês iniciaram as aulas do período de 2020.2. Além disso, o abaixo-assinado publicado por eles obteve mais de quinze mil assinaturas, dentre as quais estão: Ana Christina S. V. Olimecha, viúva de Luiz Olimecha e ex-Professora da ENCLO e Marcos Teixeira, ex-Coordenador de Circo da Funarte. Artistas de diversas regiões do país prestaram apoio aos alunos, cobrando posição do Governo e defendendo a preservação da Escola. Na rede social do movimento, “Escola Nacional de Circo Viva’’, os estudantes afirmaram estarem felizes pelas conquistas atuais e firmes na batalha por novas. Eles também destacaram que a realização das aulas remotas só foi possível graças à luta da classe artística e dos apoiadores da cultura brasileira.

 

Reportagem: Isabela Garz e Leonardo Marchetti

Supervisão: Letícia de Lucas

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